quinta-feira, 1 de abril de 2010

Vira à Direita, Vira à Direita


Mais uma vez. De novo esse ônibus, eu desço, caminho alguns metros entre algumas árvores em um estacionamento vazio. É de tarde, o sol ta forte, e esses poucos passos até aquele corredor branco com janelas para as salas de aula só não ultrapassam mais o maçante e desgastante dia no qual me encontro totalmente sem vontade, porque as mesmas sensações são aliviadas pelo simples fato de existir ar condicionado.


-Sorte que vou passar por isso só uma vez por semana.


Me vejo em frente a porta, confiro numero e horário, giro a maçaneta preta, abro a porta e quando olho para frente, um daqueles erros de construções gramaticais que ocorreram na época da formação das línguas me vem a cabeça. Nessas horas falta um “It” no português pra descrever a coisa que vai me dar aula, mas tudo bem, caminho procurando um lugar e... ...Hm. Essa aí eu não conheço...


...Minha mochila é solta em qualquer canto como sempre e eu direciono meu olhar naquela a qual incrivelmente eu nunca tinha visto antes, poxa, estou aqui a tanto tempo, como nunca a vi, ou notei por esses prédios essa pessoa. Meus olhos fixam sem fixar, e estranhamente eu me preocupo em não permitir que ela note que eu estou observando.


Olhos focados unicamente no material a sua frente, rosto liso, olhos castanhos, pernas cruzadas com o braço direito apoiando o cotovelo na classe, sua mão direita segura um lápis pela ponta que escreve, e como uma mania de uma a cada duas pessoas a outra ponta se encontra apoiada na boca.


-Momento nada conveniente para lembrar de uma música do Fagner que diz “Quem me dera ser um peixe.” Mas faz sentido se trocarmos o peixe por lápis. Cilíndrico pedaço de madeira sortudo.


Braço esquerdo solto e mão esquerda segurando algumas folhas xerocadas. Atenção de se impressionar, ou o que ela está lendo é algo muito interessante, ou como eu, está procurando algo para fazer durante esta aula desagradável. Cabelo castanho preso às costas, seguro com novamente, um lápis. De vez que outra seus olhos mudam repentinamente de idéia e dão desmerecida importância ao ser que se encontra balbuciando palavras sem parar a nossa frente, e tão rápido quanto foram às idéias erronias de observar aquele ser, como se notassem a bobagem que acabaram de fazer, voltam aos papeis xerocados, e mudam a página.


-Pelo visto... Lendo ela está.


Seus movimentos são poucos e desinteressados, como que não dando nenhuma importância por serem observados. Já ao passar de algum tempo tiro um caderno de dentro da mochila para dar a impressão de que estou preocupado com alguma coisa e tão rápido quanto esse tempo durou, chega o intervalo.


Folheio algumas páginas do caderno para não sair no mesmo instante.


As pernas se descruzam e a mochila é pega, de dentro um pote com algumas bolachas.


-Bom... Como característica de quem estuda, não sairá daqui durante o intervalo, eu irei.


Cruzo em direção contraria o mesmo corredor branco e assim como a direção muda, a temperatura se da em um sistema dégradé do frio para o quente. Sigo meu caminho até algum lugar para comprar um café, e durante o percurso me dou por conta que acabo de ficar uma hora e meia analisando movimentos de alguém que eu nunca tinha visto antes.


-Que absurdo, ela nem é tudo isso.


As lembranças das palavras que o “It” disse lá na frente contornam o zero.


-Meu deus que distração, bom, não é nada demais, é algo normal, talvez, nem vou reparar mais.


Minhas atenções ficam voltadas para o pedaço de plástico que faz girar meu açúcar do café, e minha cabeça me confortando sobre a infantilidade da minha atenção e me garante que não é nada demais. Depois de alguns minutos com a cabeça voltada para baixo, ergo-a...


-Vira à direita, vira à direita.


Aquela mesma cabeça que me dizia “não é nada”, zurra para a mesma “nada” dobrar para onde eu me encontro. São 8 segundos infinitos, e no momento final o pilar que não me permite ter certeza da direção esconde por milésimos o decidido... ... ...


... ... ...


Direita!!!


Minha cabeça festeja como copa do mundo, e meu rosto não esbanja nenhuma modificação ou reação, apenas meu olhar se volta para o vidro ao meu lado.


-Ela não pode ver que eu a vi.


Caminhar leve e ao mesmo tempo firme, direção certeira, mas com delineamento de pessoa não 100% segura, seu rosto com simetria magnífica, tangenciando a perfeição, silhueta de dar inveja, e mochila nas costas.


-Mochila? Mulher... Mochila? Sem bolsa?


A confusão me atinge durante alguns segundos.


-No pior das hipóteses, isso representa pouca frescura.


Braços soltos se deixando jogar pelo compasso dos passos. Normalmente as pessoas andam com coisas nas mãos por não saber o que fazer com elas, as bolsas e pastas cumprem bem essa função, mãos soltas mostram segurança, mas não fico 100% convencido.


Ela chega cada vez mais perto a cada segundo e em nenhum momento até passar por mim nossos olhares se cruzam. Demonstro total desinteresse, vejo-a comprar algo e logo depois que ela passa, eu me levanto, acabo meu café, e me direciono outra vez para a sala de aula.


Quando pela terceira vez passo pela mudança de calor para frio, entro na sala, desta vez com a porta aberta, e ela já está sentada, comendo uma salada de frutas. Direciono-me para o meu lugar e em nenhum momento ela sequer olha para mim, nem mesmo por curiosidade. Já se passaram mais de uma hora e meia e ela ainda não me viu.


A segunda parte da aula começa, e bem de início ela tira o lápis do cabelo e o mesmo solta-se e se joga demonstrando a pitada de sensualidade que pode existir ali. Cabelos duas mãos acima da cintura, longos, e na velocidade que foram soltos, são novamente presos.


Como no início pouca coisa muda, apenas o Xerox não é mais o mesmo, mas a leitura e o interesse na aula é idêntico. Minha cabeça vaga sobre pensamentos absurdos sem explicação lógica sobre o assunto, de quem é, qual nome, da onde? Como? Por quê? Não tenho nenhuma informação e mesmo assim minha cabeça me ordena a fingir que possuo algo e que preciso deixar claro que ela não é nada.


A loucura da minha razão lógica com a minha confusão com a situação beira o ridículo.


-“Sinto-me um tolo”, Eu diria se estivesse em alguma das novelas de época das 7.


Assim que a aula acaba, rapidamente junto meu caderno ponho na mochila e saio. Mais preocupado com ela pensar que não tenho nada pra fazer ali do que com pressa para alguma coisa.


Atravessando pela quarta vez o mesmo corredor branco no mesmo dia, deixando a imagem e fisicamente ela pra traz vou me sentindo leve.


-É não é nada demais...


Vou em direção do ônibus, as árvores tiram a impressão de estacionamento vazio, metros bons de caminhar e sol que gratifica e alegra o fim de tarde, temperatura perfeita.


-Faltam só 6 dias... Tomara que ela não falte.

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